sábado, 3 de setembro de 2011

orkutizaram o gol

Nenhuma outra expressão no futebol me emociona tanto como “amarrar as chuteiras com as próprias veias”. Dela vem a expressão máxima de raça de um jogador, que vai ser o próprio torcedor dentro de campo e conquistar cada palmo de grama honrando a história das cores da bandeira hasteada atrás de um dos gols. Os raçudos nem sempre vencem, mas frequentemente saem de campo aplaudidos.

Escrevo isso antes de mais uma partida do Uruguai, que mostra sinais de crescimento desde a última copa, passando pela vaga olímpica e a final da Libertadores. Lembrei da apresentação do Lugano, sem sorrir (‘zagueiro não tem que sorrir’) e do seu hábito à época de não trocar camisas após as partidas, enviando outra, gentilmente, no dia seguinte da partida, para que a pedia. Se um jogador não tem raça, que tenha a mínima identificação com um clube. Que respeite sua torcida (não to falando de cordeirinho que joga pra algum grupo), que sinta que é um representante daquele monte de gente empilhado nas arquibancadas, sentados na frente da tv, deitados em macas de hospitais, que toda uma coletividade está te empurrando e precisa de você.

Não precisa sequer ser torcedor do seu time. Luizão, um cachaceiro que jogou em todos os times de São Paulo, é respeitado por todo mundo e venceu em todos os clubes que passou, como se fosse seu time do coração. Não sei se ele é são-paulino, mas na comemoração daquele gol na final de 2005, chorando e batendo no escudo, ele era o são-paulino mais feliz do mundo.


Dancinha oportuna em comemoração.

Baita introdução longa e eu nem quero falar de raça. Na verdade, eu estava tentando lembrar quando foi a primeira vez que vi uma comemoração escrota de gol. No final dos anos 80 teve o Viola imitando um bicho, mas aquilo nem foi tão escroto - fez parte do jogo. Teve a do Bebeto em 94, socorro, tão boba quanto inesperada - também não vou tirar os méritos dela. Suas repetições, sim, foram horríveis. Quando será que o cara pensou “vou fazer o gol e aparecer na globo?”


A ‘lenda’ do futebol Pato fazia gol e seu coraçãozinho mostrava se estava de bem com a ex-mulher. Até o Paul McCartney repetiu o gesto. Hugo imitou o Felipe Massa (!!!) depois de um golaço, Kaká - que não demonstra ter emoção na vida há uns bons anos - levanta os dedinhos e agradece a Deus.

Tem as camisetas com frases, que a fifa tanto odeia, já que normalmente esse patrocínio gratuito não dá comissão. As frases “papai te ama” e “we belong to Jesus” não levam nota vermelha, enquanto aquela do Cafu, ao levantar a taça, leva um 10 pela espontaneidade e pela homenagem a um bairro que ninguém sabe onde fica, mas todo mundo sabe que foi com um puta carinho pelo lugar onde ele começou a errar seus primeiros cruzamentos.

No nosso templo, o Escudo ao lado do gramado é sagrado. Da mesma maneira que eu corro 4 vezes por semana ao lado dele há mais de um ano e jamais o toquei, já dei umas broncas nos monitores que deixam qualquer mané botar os pés lá. Porra, o Rogério Ceni tirou o sapato pra poder subir no escudo na apresentação do LFC! O diego jamais será perdoado por aquilo que fez - e o Simplicio será sempre respeitado por ter dado um sopapo nele. Comemorar um gol ali é como tirar a espada da pedra: foi no momento certo com o Washington, foi no momento certo com o Lucas, foi mágico com o Luis Fabiano. Foi muito falso com o Dagoberto, não?


Rhodolfo, quando ainda não tinha conhecido o mundo mágico do Reffis, dava seu salto mortal pra frente, assustando todo mundo. André Catimba aproveita pra se acidentar em um desses saltos. Acrobacias, ok - nos anos 90 viraram febre. O cara ta lá correndo, a arquibancada em festa, esse tipo de comemoração é legal.

As marcas registradas. O salto e o soco no ar do Raí e do edson, a escorregada de joelhos do neto, a rebolada do Armero (ops), essas merecem acabar virando estátua, até os vacilos de fazer média com organizadas mostrando o símbolo das uniões com os braços têm seu valor. Quando foi que um cara pensou que ia ser legal fazer um gol em um clássico e comemorar fazendo o #1 de uma marca de cerveja?

Nesse projeto de transformar todo torcedor em imbecil completo, a globo botou umas periguetes com plaquinhas e microfones pro artilheiro gritar alguma coisa incompreensível na hora do gol. E lá foram eles e seus recadinhos, empurrando os tontos que tentavam abraçar o goleador. E mostraram que já não batem no escudo, que o primo Welson e a tia Sônia Um Beijo são mais importantes que aquele monte de gente pendurada no alambrado.

E perceberam que o gol é uma boa hora pra fazer graça. Começaram as dancinhas insuportáveis. Parece que faziam gol só pra poder dançar - mais ou menos o que fazem no vôlei: derrubar a bola no chão serve pra passar a mão na bunda do colega de time. O plano de tiagoleifertização do futebol vai dando certo. Dancinha, vuvuzela, cabelinho espetado - e agora os bondes, institucionalizados até no SPFC. Neguinho faz gol, os moleques fazem fila e andam com cara de mau.

A última moda em comemoração de gol foi inventada pelo departamento de marketing da tv dona do campeonato. É assim, você treina a semana inteira, seu time leva um sufoco, você acaba sobrando com a bola em um bate-rebate na pequena área, toda a torcida com o coração na mão e você manda a bola pras redes. Êxtase? Que nada - você corre pra lateral do campo com as mãos coladas ao corpo e imita um boneco inflável. É a ‘orkutização’ do mongolóide. É triste.

Em um mundo em que robinho é craque e a televisão escala o time, não tem mais lugar pro Luizão. Talvez o Gérson seria cortado da seleção por comemorar um gol com os dois braços pra cima, sem saber pra onde ir. Nesse mundo, o Rogério leva cartão amarelo por tirar a camisa após marcar o gol mais importante do ano. Cada vez menos tem lugar até pra mim. Não tem lugar pra quem amarra as chuteiras com as próprias veias.


O texto não é meu, é de um cara da torcida "são paulinos" da arquibancada azul